terça-feira, fevereiro 15, 2011

Porque um lobo sairá das matas
e morderá aquele que nao sonha
aquele que se acostumou tanto com o sol,
e com a chuva,
que nao sabe mais do milagre
de um dia depois do outro,
desse fato tao passível de explicação
que é a dança das marés,
que é o tango intrincado de carros num engarrafamento,
que é a delícia única de fruta que nasce no pé.

Esse dia virá,
e ficaremos todos assim tão boquiabertos
com a leveza assim vulgar da inexistência
que nao se falará mais da vida que não foi vivida
ou daquilo que não foi provado,
mas serão retrocedidos os relógios
até a hora em que eles próprios,
os ponteiros,
sejam etéreos, irrelevantes.

E quando for possível entender de que farinha,
de que pó ou qual madeira é feita a vida,
aí então poderemos quedar-nos por longos momentos
a fotografar com os olhos tudo o que antes não se via.

quinta-feira, fevereiro 10, 2011

Sobre a tarde

As horas escorrem.
O sol se deita no sofa para descansar
enquanto borboletas cor-de-sangue, cor-de-pele, cor-de-vento,
entram pela janela para beijar seu rosto que dorme.
Toda tarde,
quando chega a hora
em que as sombras das coisas todas se misturam,
quando saem às ruas aqueles que ja se cansaram
de muito trabalhar,
eu pego o meu caderno e a minha pena
e procuro um banco que me ouça para me sentar.

Ser sozinho nao é estado passageiro,
e assim como cada flor se recolhe em botao no fim do dia,
eu volto pra casa e abraco a noite
companheira de mim mesma.

terça-feira, fevereiro 08, 2011

Simples assim

Nao preciso de asas para voar;
tenho o coracao livre.

Quebradas

Aqui,
pedaços de céu recortado onde as Montanhas,
como guardiãs do vale,
assistem dias de agricultura e noites de sono das plantas,
que com respiração profunda e lenta
inalam átomos estelares que serão a farinha do amanhã,
das batatas do sustento andino,
da quinua e do amaranto;
do que já se conhecia muito antes da chegada dos espanhóis.
Do que sobreviveu à mudança do tempo e das estações.

La e Ca

Diferente da rua Maruri,
as casas da Protógenes Vieira se querem muito.
Cuidam umas das outras como cuidam-se os vizinhos,
nessa rua onde ainda se usa pedir xícara de acucar
e rezar a novena na casa do fulano, coitado,
que anda doente.

Aqui logo se repara na casa de vaidade boa
que quis se vestir de azul antes do Natal chegar,
e que falta faz o bom dia de sotaque meio búlgaro da Dona Verônica.
Saudades de olhar três, quatro vezes por dia
a caixinha do correio
so porque a portinha era tao mimosa que dava vontade de abrir
(mas era preciso pular a fileira de onze-horas),
de sentar nas janelas imensas descascando mimosa,
de usar o cedrinho pra brincar de pula-sela.

Saudades daquela inocência gostosa de crianca,
do tempo em que a escolinha era todo o meu universo e a minha mãe,
tao caprichosamente,
ordenava pequenas filas de biscoito
e fazia "naiche" pra eu levar na minha lancheira vermelha.
Saudades de quando dinheiro era sinônimo
de comprar licorzinho no Mengarda,
e da emoção de receber uma carta daquele guri que,
na fuga,
deixou pra tras um pé do chinelo.

Saudades de tantas páginas ainda em branco,
só esperando no silêncio do céu cheinho de estrelas
alguma coisa acontecer pra molhar a pena no tinteiro do destino.

Retorno

E porque a vida tomou um gosto constante de fruta que amarra a boca,
porque o vento frio fez bater com uma rajada forte a porta do meu coração,
foi que eu nao consegui mais escrever.

Não que nao tenha havido dias de beleza única,
dias de flor desabrochada pra me inspirar;
é que mesmo essa beleza sincera,
quando chegava de visita no meu peito
e encontrava quilômetros de espinho e névoa,
se dava conta de que pra alçar vôo e enfrentar tantas dessas barreiras
chegaria no meu coração - essa chama que as vezes tem sono,
como pássaro ja sem penas.

Imperatriz

Boa coisa subir no Monumento
e tomar posse da cidade toda nos meus último dias.
Eu conquistei essa cidade de tantas muitas maneiras
(porque ela já tinha me conquistado
muito antes de eu vir)
e subir esses tantos degraus
amarrar as pontas do que foi feito por 17, 18 meses e uns tantos dias
daquilo que foi dancado quinta apos quinta,
quase religiosamente (que dançar é chegar perto de deus).
Daquilo que foi provado,
do amargo e do doce que tantas quantas vezes eu quis experimentar,
das casas vitorianas que me olham quando eu passo.

Eu conquistei tanto de mim mesma
e do que é ser eu, nos meus milhões de eus
do que é existir e de quais são os meus desejos
que na integridade de ser sim e não num balanco sempre caótico,
eu conquistei essa cidade e assim ganhei meu fictício lado de imperatriz.
Eu sei que o coracao amarelo é coisa minha,
mas cade o sal da vida de quem vive com medo de se machucar
e nao se joga sem antes medir a altura do tombo?

Cade o viver??

Nao engulo esse medo de arriscar.
Acho puro pecado
e um sacrilegio com quem sequer teve a sorte de nascer.
Preguicosamente te implorar por mais cinco minutinhos,
pra espreguicar e comecar o dia;
te ensinar as coisas mais banais,
beber as futilidades da vida.
Colocar flores na mesa, enfeitar eu e voce.

Te alfabetizar na minha lingua.

Saber dos naos, dos quases e porques.
Cansar, descansar, repetir.
Trazer pro real isso tudo que ainda é fantasia.
Noite de ontem, noite de dias atras.

Sera que foram os amores fracassados
que me tiraram a certeza daquele beijo
jogado de la pra ca?
Ou a longitude daquele abraco do comeco
é insistencia minha do amor ainda nao comecado?
Bom seria poder saber se observo demais ou de menos,
mas que ponto fixo eu tenho pra comparar
alem da minha propria existencia?
So especulacoes. Pra mim, e pra voce tambem.

Eu fico com o beijo jogado.
Hoje eu so quero coisas bonitas,
quero a musica mais gostosa e a poesia de Neruda
quero a beleza desse dia de chuva, beber um filme
que me transcenda.
Hoje eu sou so objeto de todas as coisas,
sou toda pele e poros abertos
toda ouvidos, toda sabor e paladar.
Tanta coisa,
tanto mundo meu pra colocar pra fora
e ainda nao sei como.

Nao sei pintar,
nao tenho a tecnica da fotografia,
certamente nao nasci pra bailarina profissional.
Nao sei contar piadas
ou inventar historias,
e sei que nao daria boa atriz.

Me persegue todos os dias,
incessantemente,
a ideia de que sou pessima escritora.

Poeta? Por favor!
Essas e tantas outras linhas sao de fazer vergonha
e as pessoas que, por ventura, agrado,
certamente nao tem gosto algum.
Me faltam palavras,
frases, imagens,
nessa lingua que engulo diariamente ha 23 anos
(porque sim, ainda antes de nascer sei que a minha mae pra mim cantava).
Vinte e tres anos que me fizeram em nada!
Estudo, escola, ingles, espanhol...nada!
Um pouco de cada coisa nada mais é que uma montanha de nada.

Como me incomoda a incapacidade de ler Nietzche
(Dostoievsky me cai bem, mas e dai?),
de nao ter a habilidade de por horas discutir a guerra no Iraque.
Nao sei quais das minhas conviccoes sao minhas,
e quais comprei por uns trocados numa banca de jornal.
Que moda eu sigo? Qual a minha unicidade?
Sera que um dia vou ser mae?
Quando vou chegar ao fim de algo
sem desistir no meio do caminho?
Quando vou conseguir seguir uma dieta
e perder 2, 4 quilos?
Quando um poema meu vai ser, do comeco ao fim,
satisfatorio?

Perguntas sem resposta.
Falar de mim mesma so pra mim as vezes cansa.
A mesma perseguicao de sempre?
Espero logo encontrar o antidoto.
Entre uma praia pra morar, uma tatuagem e um laboratorio,
me fico em Londres;

Num ap globalizado,
num colchao de ar, inflavel,
do peito do namorado,
me fico.

Ah, a falta de quietude de tantos dezoito anos,
do fervor da decada de 90.
A falta de senso, de tato, de gosto e de pudor.
A delicia unica da falta de juizo
(e de tantas traducoes simultaneas).
A delicia impagavel da luz baixa,
de chocolates e musicas italianas,
do som limpo de um violao virgem e de goodnight kisses.

A delicia daquilo que mesmo depois de pronto, nao acaba.
Calem-se, calem-se todos!
Calemos, juntos, para que nada se ouca alem dos nossos pensamentos.
O meu, sei bem onde fica,
sei bem onde esta e onde estacionou ha horas.
Calada assim, calados todos, talvez se possa ouvir la ao longe
qualquer movimento de onde meu pensamento chega:
de la, depois do mar,
talvez eu ouca um farfalhar de asas do caminho de volta,
entao calem-se,
calemos todos no mais profundo e limpido silencio.

Estatico, assim calado,
posso ate ver o fio
- que agora sei ser azul-claro -
que conecta la e ca.
O fio que vai
e o fio que vem
(as vezes temo que se encontrem e, pelo meio do caminho, papeiem,
esquecendo a missao original).

Quanto desencontro se um fio, desses,
se quebra,
desvia,
se esquece,
quanto desencontro!
Quanta agua que cai, que rola, se um fio desses
resolve virar corda,
resolve nele mesmo se enrolar ,
quanto sal.

Me encanta a perfeicao do corpo,
humano.
Porque num segundo, num segundo
eu vou da vida a morte, da morte a vida,
da flor que antes de nascer se esconde
a onda que antes de quebrar se entrega.

Do vinho nunca aberto ao pao nunca feito,
eu passo.
Como sol que caminha a passos vagarosos toda a imensidao do dia,
passam por mim pensamentos em correnteza.
Nesse meu ceu as ideias passam, as cores, as cenas,
as minhas constelacoes nessa abobada terrestre.
Imito (quase) sem saber
os movimentos maiores do universo.

Meu eu é meu proprio mundo,
e eu sou para conhecer e explorar tantos outros universos pessoais.
Agora.
Hoje.
Porque logo,
mais tarde,
nao sei.

Paris

O pulso da parada de Saint Paul.
O pulso do quarto andar,
da porta que abre,
do quarto,
da dor de cabeca e do sapato no chao.
De musicas e pinturas traduzidas.

Do tao quente,
do tao frio,
do outro peito pulsando no meu peito,
do suor e do descanso.

O pulso vermelho do sono e da manha.

Da porta que abre, que fecha,
que abre e que fecha seguido.
O pulso azul do dia,
e o pulso amarelo da volta.
A poesia da vida
no dia de cada dia.
A estranha sincronia de pernas com um estranho.

Porte de Bagnolet,
Gallieni.

Europa primeira

"O riso do gato;
a cara
do namorado."