quarta-feira, agosto 20, 2008

A lua branda, grávida e amarela,
paira num horizonte ainda dia.
Em cada esquina (em uma bicicleta que não é minha),
páro os pedais e me sustento, em pé,
a vendo sumir e se mostrar entre as casas residenciais.

Respiro moléculas de lua, trazidas por um vento
distante e sereno,
que vindo de longe viajam
para encontrar a superfície da minha pele.

Como é plena uma molécula lunar
ao beijar uma célula terrestre
e como é pura qualquer coisa que se deixe
acariciar por uma brisa de além-mundo.

As estrelas em sua rotina celeste
sussurram notas de bossa
(ou seriam versos d'água de Neruda?)
e a cada fusa, a cada pausa,
cada mínima que entra, a cada linha,
desvaneço.

Se esvai qualquer traço de tristeza,
de angústia, choro, fome ou desespero.
Cada poro é embebido em plenitude
e cada nervo é completado por um cheiro.

E resgato essa delicia quando quero
essa noite em que a lua foi só minha
e na qual fui sua clara e plenamente.
Não seria, essa troca, fantasia?
E se ela se doasse a outros seres?

Pouco importa a exclusividade dela
ou se ela foi cantar pra outras flores
a imagem é só minha, e é só meu
o impacto dessa brisa em meus amores

Não me deixo permitir nem por um dia
esquecer essa sinestesia pura
pra que o cheiro, a calma, a bossa e a partitura
não se sumam nem me deixem como nua
mesmo o dia tomando o seu campo escuro
Não há risco que essa pauta o sol derreta.

sábado, março 08, 2008

A pedidos, Neruda

“Tu perguntas o que a lagosta tece lá embaixo com seus pés dourados.
Respondo que o oceano sabe.
E por quem a medusa espera em sua veste transparente?
Está esperando pelo tempo, como tu
Perguntas sobre as plumas do rei pescador que vibram nas puras primaveras dos mares do sul.

Quero te contar que o oceano sabe isto: que a vida em seus estojos de jóias, é infinita como a areia, incontável, pura; e o tempo entre as uvas cor de sangue tornou a pedra dura e lisa, encheu a água-viva de luz, desfez o seu nó, soltou os seus fios musicais de uma cornucópia feita de infinita madrepérola.

Sou só a rede vazia diante dos olhos humanos na escuridão e de dedos habituados à longitude do tímido globo de uma laranja. Caminho, como tu, investigando a estrela sem fim e em minha rede, durante a noite, acordo nu. A única coisa capturada é um peixe preso dentro do vento”.

sábado, fevereiro 16, 2008

Sou poeta dos olhos,
poeta; mas apressada que sou,
quando nasci
e vi o milagre de tudo
acontecer,
não esperei.
Não dei tempo para que amadurecessem,
em mim, as palavras,
e me fiz poeta dos olhos.

Me arrefece
a molície de Neruda,
suas ameixas,
o rio da tribo de Caeiro
e a poesia que declamam,
em minha casa,
as violetas e as flores do hibisco.
Me enfarta a melodia de Amélie.

Espero o dia em que morrerei
afogada com a poesia da vida na garganta.