segunda-feira, maio 01, 2006

Giz-de-cera

"Me traduzo, em indecência, em giz-de-cera;
as certezas, pinto com giz-de-será.
Qual será o giz do ser, o giz da essência?
E quão fino ou grosso é o traço do andar?"

Giz-de-cera

"Me traduzo, em indecência, em giz-de-cera;
as incertezas, pinto com giz-de-será.
Qual será o giz do ser, o giz da essência?
E quão fino ou grosso é o traço do andar?"

sexta-feira, março 03, 2006

Cantiga pra ninar

"Me leia em entrelinhas,
entre dez mil andorinhas,
mas leia
mas seja
mas note

Me envolva em um valsado,
pode ser mal ritmado,
mas dance
mas canse
mas rode

Me trance em teus abraços,
faça dos teus dedos laços,
mas sinta
pressinta
me enrole

Me altere os pensamentos,
lance-os entre arvoredos,
mas ouça
assim, rouca,
a sorte

E se entre as dez mil linhas,
entre meios de andorinhas,
houver
só fim
só ponto

Não se prenda em minhas notas,
em meus lençóis, minha porta,
e vá
mas volte
enfim"

domingo, fevereiro 19, 2006

Conto de Copas e Espadas

_____"Não era uma vez, mas uma vez aconteceu...e por acreditar nos contos e nas fadas das crianças é que se pôde no assoalho perceber a agitação de umas caixas de baralho, e espiar mais de pertinho pra saber qual o motivo do barulho e da lambança. Foi uma dessas meninas que viu, do lado de cima, e que depois contou o conto, sem ponto de aumento nem nada; e que acredite quem puder voar mais alto...
_____Mas o caso que se conta, no final do fim das contas, é que sem que ninguém desconfie as cartas juntam-se, imagine!, duas vezes por quartil, numa espécie de in memmorium lá por volta de Abril, onde dançam, bailam e bebem vinte dias sem parar. Cada naipe traz consigo uma espécie de homenagem que remonta aos tempos dos mouros, dos cavalos e moagens, das toadas, das cantigas, histórias imaginadas. Eis que esse ano, justamente, Copas e Espadas resolveram juntar mentes, e juntamente cantar para os outros uma história, da glória, luta e memória de uma vila, a das Cem Horas. Depois do Ouro e de Paus, foram os Reis de cada qual representar toda a família. E o que disseram com ribaltas, mil violinos e flautas, foi que um dia foram vivos como todo bom humano, até que um amor mal visto alterou de vez os planos, e acabou na perdição. Copas, Paus, Ouro e Espada foram quatro linhagens distintas, cada qual com seu Rei e seu reino, mas todos numa só vila, mesmo não convivendo com jeito.
_____Um desavisado rapaz, de Copas e andando em paz, passou dos limites de um reino e acabou por passar, com efeito, pro reino que estava ao lado. Encontrou uma donzela que jamais se viu tão bela e que tomou seu coração, com doçura em uma mão e Espada em anel forjado. E a tal moça que ali estava colhendo umas flores, sentada, nem sentiu que o vento leve na verdade traria, em breve, um amor pra ser guardado.
_____Sem ligarem pro depois congelaram o agora, e embaixo de um pé de amora foram levados pela tarde, embalados por um mar de brisa e surtos de vontade. As horas duraram anos onde os toques mais profanos transformaram-se em carinhos, e a relva e o céu de veludo selaram assim em conjunto toda a musicalidade. Da dor fez-se o abraço, da mesmice, o cansaço, e das grades, aliança, de modo que ao despertar prometeram se encontrar no amanhã pra mesma dança.
_____Não viveram nesse dia, permaneceram planando enquanto a manhã se ria, esperando pelo instante em que os dois amantes insanos concretizariam seus planos. Chegado o singelo momento os dois jogaram-se ao relento desejando morrer pelo agora, e as cenas de outrora se repetiram eternamente. Mas na mente de um soldado que passava ali ao lado algo estranho acontecia, naquela hora do dia os campos sempre estavam calmos. Mas de onde vinham os risos que se ouviam lá de longe, como pássaros feridos cujo canto ecoa aos montes? Foi averiguar o fato, e qual foi sua surpresa quando reparou no ato de pureza e desacato?
_____Sem demora e resolutos, ainda tomados de susto, os três se entreolharam desejando se esconder. Porém o soldado do Rei, leal ao seu mestre de Copas, correu pela trilha de volta pra contar o acontecido, e acometido de raiva arrastou pela estrada o encantado pela Espada. A moça, entregue aos prantos, viu quebrar-se todo o encanto do infinito em um segundo, e em silêncio ali ficou vendo o céu cair no mundo por três horas sem parar, tentando acreditar que não foi sonho ou delírio. No campo cresceu uma flor brotada de sal e dor que ali por fim nasceu, depois que a brisa bateu e levou o amado embora: assim que surgiu o Lírio.
_____Para o moço o caminho demorou eternidade, pois tomado de saudade os ponteiros se arrastavam; com receio de jamais voltar a ver sua donzela, deixou pistas para ela sob forma de recados, e em galhos pendurou (longe das vistas do soldado) dezenas de flores que achou, embebidas de orvalho; assim pôde ir de encontro ao julgamento que teria, sabendo que cruel seria por tão grande a falta feita.
_____Chegando ao palácio real foi mandado a esperar enquanto o sagaz escudeiro foi, com pressa, ao Rei contar. Em instantes o que se ouviu foi um brado e um estrondo, que enchendo o salão de medo pôs o moço a ficar tonto: “Falta de juízo e senso eu já tinha visto antes, mas tinha você que se meter em tal volúpia e vil romance? Como Majestade de acerca me cabe tomar a atitude de condená-lo à desgraça para manter-se a virtude; será o primeiro exemplo e o último, faço gosto, de que Copas não são feitos pra se misturarem ao povo! E mandem pregar agora em toda praça o recado de que aqui nas minhas terras, com morte se paga o pecado!!”
_____O caso correu nos vales e pousou em todo o canto, de modo que os moradores estagnaram de espanto. A mocinha enamorada desfaleceu na calçada ao saber do triste fim que enfim teria a sua história, e tratou de, sem demora, ir até a praça central onde encerraria afinal o que mal tinha começado. Encontrou pelo trajeto as flores deixadas ao certo pelo amor que procurava...tratou de achar um disfarce para assistir ao desastre e tentar impedir o crime, mas chegando lá se deu conta de que havia fogueira pronta esperando cumprir-se a sentença.
_____O povo todo da vila pôs se a postos ao redor da fumaça que subia prum céu de pesar que, triste, assistia a folia. Trouxeram então amarrado e com capuz, o condenado, que parecia aceitar o mal tão irremediável. A desesperada menina, vendo tudo da esquina, pulou e chegou num salto aos pés do vendado, ao alto, clamando por piedade, e tomada nem se sabe de que tipo de euforia, desvencilhou-se dos guardas e como que por magia, foi ter ao lado do amigo, pra surpresa da cidade.
_____Disparou-se num discurso pra botar banca no povo, pois achava pouco justo sufocar o amor em dobro, e o que disse foi descrito como narra-se agora: “Não vêem, pobres tolos, que encontrar paixão demora? Não sentem em suas rotinas a falta dessa presença? De dar lugar ao carinho em lugar da indiferença? De que vale um reinado quando imerso em egoísmo, onde sequer se percebe que o amor é um correr riscos?...se divertem assistindo duas almas a ruir, um encontro separado, o egoísmo a difundir? Não me canso em ter tristeza por ver tudo tão perdido, e quando acho que me encontro me é tirado o que preciso?”
_____As palavras desfizeram-se no ar no mesmo ato, e as nuvens se lamberam pelas chamas como em quadro. Do peito da moça viu-se como sólido o soluço e rosto quase de vidro, nocauteado e não-vivo, desfez-se de puro susto...correu quase como em vôo até onde o vento levasse, e foi parar num rio rouco pedindo que a vida acabasse. E então tudo foi calor, tudo foi dia e foi delícia, o riso frouxo voltou sem saber pra onde ia, o corpo se transformou sem ver o que acontecia, fundiu-se aos pés de Laranja, de Amora e de Artemísia.
_____Ao ver-se de novo tão louco, o corpo falhou ao olhar, não podia acreditar no que já não admitia: não via em brasas o chão, sumiu toda a multidão, confusão já não havia. Levantou-se para ver se era real o que vivia, e notou tudo igual, tal qual como conhecia; porém tudo era mais vivo, tudo era mais claro, tudo era tranqüilo, e até o que era igual (como ao longe, o roseiral) ficou mais bonito ao dia. O ar dançou nova dança, o mato mostrou-se em trança e as cores ganharam nuances...o pôr-do-sol, já tão puro, mostrou-se então tão seguro como nunca havia antes, e o mar bateu no rochedo de uma forma que, nos dedos, podia sentir-se a firmeza.
_____Imaginem a surpresa quando ainda tonta e presa às imagens já formadas, viu surgir a alma amada montada em raio de luz. Planou um metro em distância, embebida na fragrância que exalam os sinceros, e desafiou as leis que encarceram a matéria quando quis, por inteiro séria, juntar seus corpos num ponto. Os braços se enovelaram de um modo que terminaram de selar o já selado, e longe e livres de tudo se foram, a correr mundo, nesse mundo novo e pronto.
_____Lá atrás as pessoas ficaram do jeito que estavam antes: o mesmo cachorro passava, o mesmo padeiro prensava, a mesma chuva caía... o mesmo dia findava, a mesma senhora varria...e o mesmo mesmo acontecia. Diferente, de verdade, foi a criança que assistia. Vendo o circo ali formado e desfeito num estalo, deixou mostrar-se sua forma natural, bruta, sombria, e aos muitos olhos crescia o que não se imaginava – a menina ali parada era alma a ver a armada, e que agora já não ria. Ao ver os pares de olhos ali fixos, bem parados, resumiu sua morada, seus motivos, seus recados:
_____“Não venho de longe nem perto, venho de um lugar que, ao certo, é bem diferente deste. Me cansei de ver aqui, já que sempre os observo, valores caindo com os dias e ordem marcada com ferro. Intercedo pelos povos que acredito já há tempos, e acompanho as mudanças, pondo em pratos de balança as faltas e avanços feitos...quis crer numa forma pura de bondade e amor divino, mesmo que muito escondido, morando nos peitos seus. Ao que encontro, dou adeus!, não quero ter de ter parte em tal forma injusta de arte onde há o forte e há o fraco, há o moralista e o errado, o rei e o mendigo nato. Há névoa por toda parte escondendo-lhes, na verdade, o real valor da vida...por isso julgo-me sábio e em poder de tecer meio que poupe mais sofrimento, mas que ensine ao melhor jeito o singular que é o viver.”
_____Na praça alguns gargalharam com a louca que, juravam, era maga ou semelhante, mas tirando as reações (diversas como estações), nada movimentava. Continuou a falar e o tal trato, a reforçar, explicando enquanto andava:
____“O meio é simples, consiste em trocar tudo o que existe pra vocês por outro mundo. Serão outra forma de vida, viverão dez mil partidas, cada qual terá seu lucro...serão por fim retornados ao modo a que estão adequados e as coisas serão como antes, exceto pela diferença que sentirão ao, na mesa (de jogo), serem descartados. Verão como é ser desprezado, e como é ser importante; o Rei saberá da exaustão, como é depender de outra mão, e o bobo seguirá adiante, dessa vez como Curinga e não mais sendo da corte. As linhagens existentes seguirão outras vertentes e ao final, se mesclarão; os artesãos serão Ases, e os moradores as bases desse jogo então formado. Por adiantamento é o que digo, o resto será esculpido por vocês a cada dia.”
_____A praça se viu num clarão mais forte que a luz do dia, e a fumaça que, há tempos, da fogueira já subia, retornou e começou a descer e a tomar corpo, pegou todos tão absortos pelo discurso eloqüente que nem pôde se mostrar tão grandiosa e envolvente quanto realmente queria.
_____O resto (ou metade) da história é o ponto de partida, e a festa celebrada é uma forma imaginada de voltar aos velhos tempos. Como cartas já se sabe ou se imagina o que acontece: muito mais fácil pensar, mais horas pra filosofar, idéias lançadas ao vento; mais leves pra se sonhar com o mundo que, ao voltar, verão mais singelo e mais lento...portanto se uma carta ou baralho todo sumir um dia, não se espante e feliz fique, pois dez mil partidas se foram e mesmo com todo o retorno, não se foi a fantasia...”

Inversão, ou visita, ou ainda acima

"A lua me vê da janela.
Que pensa ela?
Por quem espera
se assim me vê,
ela,
pela janela?"

terça-feira, fevereiro 07, 2006

Mesmo com o surto, o vazio

"Todas mil palavras desconexas
são baús de controvérsias
que consigo interligar

Por fora podem não fazer sentido
se só firmam compromisso
com quem as ousa lançar

Pra quê juntar as letras ao acaso
se o homem, prato raso,
não consegue se expressar?

Talvez a tentativa seja o grito
solto pra quebrar o mito
disso tudo se acabar.."

quarta-feira, janeiro 18, 2006

Em olhos de gato

"Não me matem,
sem ter reconhecimento...
nem me sufoquem
nas garras do esquecimento!
Posso ainda pedir
pra que me conduzam?
Só lhes peço, amigos meus,
não me traduzam!"

domingo, janeiro 15, 2006

segunda-feira, janeiro 09, 2006

Liberdade de expressão

"_______Ainda não sei bem onde termina a necessidade do homem de se expressar e onde começa a rebeldia inata de ir contra a maré. Sim, pra mim é clara a importância da arte, seja como literatura, música, escultura ou qualquer outra, como um reduto onde o homem pode ser sem racionalizar, ser fluindo. Para os não tão aventureiros (mas nem por isso menos ávidos), há o biombo do pseudônimo, do anonimato, e sendo assim o tal refugo fica ao alcance de todos que assim o quiserem. Dom, isso existe? E quem pode dividir o bom e o ruim, separar o cult do cafona, estabelecer parâmetros de qualidade, inaugurar um INMETRO artístico?Vamos esquecer, aqui, o ponto final, e dar lugar às reticências...
_______Ouve-se muito – e discute-se pouco – sobre censura. Sim, já se foi a ditadura...mas não é o “piiiiiii” da TV, as tarjas, e os vetos publicitários uma continuidade dessa barreira? A censura já não é escancarada, mas existe sim; ela agora é interna, pessoal. Pensamental, se me permitem o neologismo.
_______Atire o primeiro vinil dos Menudos quem não tem uma bermuda furada, uma camisa rasgada ou uma saia bem breguinha que adora e só usa em casa. E quando toca a campainha então? Correria direto pro guarda-roupa, arrancar a peça. O medo de ser julgado e a facilidade que temos em rotular esmaga a individualidade de quem não tem peito suficiente pra encarar olhares tortos e lançar um sonoro “que é?!”. E, nessa ânsia pelo diferente, tudo vira padrão: o tênis, o filme, a tinta do cabelo...fiquei sabendo, a última agora é ser cult. E cult é aquele que gosta do que a maioria não gosta (ou pelo menos finge que), e vive bem sendo assim, esquisito. Odiar a VEJA, sem nem saber porquê, é cult. Admirar o Che sem nem saber sua nacionalidade, é cult. Havaianas? Cult! Até gostar de sertanejo virou cult, e o que destoava ficou comum...dá até vergonha de dizer que é cult, ou gosta de filmes cult, soa superficial. E quer saber? Tire sua bermuda florida do armário, sua camiseta com foto do sobrinho estampada, bote o CD do Wando pra tocar e seja feliz, que eu não gosto mesmo da VEJA, pinto o cabelo de cereja, adoro o Che, lavo a casa de havaianas lilás com Marisa Monte ou Chico no último volume sim. O que falta mesmo, é a “liberdade pra dentro da cabeça”..."

domingo, janeiro 08, 2006

Soneto sem separação

"Como posso investir e sonhar alto
Se contigo vivo sempre a me provar?
E em prova, como vou chegar de um salto
Sem quebrar-me a cada vez que me deixar?

Não existe, entre amores, maior prova
Que o estar e o conviver em ritmia
Tanto quanto não existe vida nova
Se da velha resta toda a euforia

Vem comigo, não te juro eternidade
Mas no nosso infinito eu paro o tempo
Dá-me a mão e vamos juntos sem vaidade

Nos deixemos ser levados pelo vento
Até não se verem luzes na cidade
E embalarmos, corpo a corpo, em sono lento..."

sábado, janeiro 07, 2006

Trem de ferro

Pro meu avô...maquinista Ary Pereira
baixinha
"Puxa a linha, maquinista!
Não deixa de seguir viagem
se essa linha é rica em desvio,
se de monte e de vale é lotada,
é porque, como tela em vazio,
segue a vida e brinda tua chegada.

E se um vale, d'algum desses frios
ou nuvem, dessas carregadas,
te cobrir - deixa ser - logo vem
monte em flores pra rir tua andada
e não deixa de ir sempre além
porque agora é outra tua estrada
e essa vida que agora te espera
bem melhor que esse mundo de cães
também deve ser rica de ferro
e de linhas, de lírios e pão

Eu aposto que bem na entrada
tem laranja, mimosa e mamão
tem farinha, tem mil onze-horas
e cem pés de azedinho no chão..

Tá no fim, não desiste agora
que esse trem já não tem mais carvão
não tem carga, não tem passageiros
mas o apito ainda puxa-se à mão!
Sobe o morro, devagar, já vem chegando
lá vem vindo, pra te receber
muita gente querendo chegar
mas na frente, eu vejo alguém -
tão bonita, a vó do crochê...

Sei que cansa, mas corre, vai na frente!

Puxa a linha, maquinista..."

domingo, janeiro 01, 2006

Como o tempo é tema eterno

"Tudo dura o (in)exato
de um segundo
1 instante pra nascer ou ser deixado
um só passo do ponteiro é o momento
e o universo inteiro vive em
1000 agoras.
Sendo ave o nosso dia de outrora,
voa mansa a vida inteira num minuto."